📢 Viagem do Guilherme Cintra para a Estônia - Dia 2


O primeiro dia da e-Governance Conference

  1. Confiança é a palavra chave:
  • Mais do que questões técnicas, como a criação de identidades digitais fortes, a questão mais mencionada é cultural. Em todas as falas de oficiais do governo estoniano, a proximidade com a população, a humildade e transparência de informar quando cometem erros e a garantia de que os cidadãos terão poder sobre seus dados são fundamentais para que uma nação digital possa funcionar, principalmente em um mundo pós-verdade e onde cyberataques se tornam mais presentes
  • Um exemplo recorrente que usaram foi alguns anos atrás quando encontraram uma vulnerabilidade teórica em seu sistema de id digital. O governo em 48 horas, junto ao setor privado, tinha identificado um caminho para uma solução e feito uma conferência em rede nacional para informar a população e mantê-los próximos ao processo de resolução
  • Por outro lado, o Chief Information Officer (CIO), ao falar sobre consentimento, diz que não é possível ou necessário que todo uso de dados seja consentido. Lógico, eles partem de frameworks claros e de uma confiança ganha ao longo do tempo. Assim, o consentimento é pedido apenas ao compartilhar dados com o setor privado pois parte-se de uma lógica de confiança em relação ao governo eleito. Esse tipo de mindset é fundamental em uma democracia digital. Mas deve ser conquistada


2. Envolvimento dos cidadãos:

  • Um governo que não se digitaliza na atualidade, é um governo que aliena seus cidadãos. Isso não é mais uma opção. Para começar, a mentalidade do formulador de política pública precisa entender que o que o cidadão pensa é: “o que há aqui para mim?” Por exemplo, iniciaram com o imposto de renda na Estônia, algo que afetava diretamente no bolso. Ao longo do tempo, mostrando o valor que geravam, junto ao processo educacional, os cidadãos se tornaram cada vez mais engajados com as ferramentas e processos digitais
  • Para alcançar maior engajamento, utilizam o conceito de "Estado Personalizado". Por meio do uso de dados conseguem por exemplo distinguir cidadãos que precisam de atenção especial na área de saúde e, portanto, tornam-se mais proativos na forma de atenção junto a estes


3. Usuário no centro:

  • A forte preocupação com a usabilidade e o cidadão no centro faz com que eles se orgulhem de suas soluções. A relação não é muito diferente daquela vista por clientes satisfeitos com aplicativos privados. O governo aqui entende que deve buscar o nível de excelência no atendimento que se espera de qualquer outro serviço
  • Isso também é uma questão econômica. Ao simplificar muito a vida de pequenas empresas, conseguem acelerar desenvolvimento econômico visto que não há os custos altos de iniciar um negócio


4. Resiliência cibernética:

  • Se cada vez mais serviços são digitais, é fundamental pensar em como esses sistemas não se tornam vulneráveis a ataques. Afinal, a riqueza de dados e os custos de ter o governo inteiro parado são tamanhos que atraem agentes maliciosos. As estratégias citadas vão de criar “embaixadas digitais” com servidores em outros países, algo fundamental em uma zona próxima a guerras até, e mais importante, educação dos cidadãos
  • Um caso particularmente interessante é o da Ucrânia. Em meio a uma guerra, a única forma de alcançar seus cidadãos é de maneira digital. Para isso, se uniram a Estônia e adaptaram suas tecnologias para criar um aplicativo (o diia-mRiik). Esse aplicativo permite acesso dos cidadãos aos seus documentos, recepção de benefícios sociais. Porém, em uma situação de guerra tem funcionalidades pouco usuais que vão de poder doar ao Estado, comprar títulos de guerra até dedurar colaboradores e inimigos (e-enemy!!!) Para tal, tiveram que levar seus serviços para a nuvem tirando de datacenters que foram atacados pelos russos. E demonstraram claro orgulho por resistirem na guerra cibernética mantendo o app de pé, um grande feito. As guerras serão cada vez mais lutadas de forma híbrida, algo reforçado tanto pelo vice-primeiro ministro ucraniano quanto pela primeira-ministra estoniana


5. Precisamos nos preocupar com os indicadores adequados:

  • % de serviços digitalizados e quantidade de uso dos cidadãos são o que realmente queremos perseguir, as métricas de sucesso para um governo digital. A tecnologia utilizada em si não importa
  • O uso de indicadores permite que fujamos de preconceitos e lugares comum. Por ex, o CIO da Estonia compartilhou que quem têm mais dificuldades e reclamações com os serviços são, contraintuitivamente, os cidadãos dos 18 aos 25 anos. O motivo para isso é que os sistemas foram desenvolvidos para populações mais velhas, meia idade, acostumadas com online banking. A lógica atual é mais na linha de chatbots, assistentes virtuais. Essas distinções devem ser consideradas para garantir acessibilidade de forma ampla e só são entendidas porque utilizam dados e análises para entender o comportamento dos usuários


6. Preocupação com fake news fortíssima:

  • Todas as democracias vêm sofrendo com essa questão, entretanto, em países próximos à Rússia, isso se torna mais forte. Ouvimos de ucranianos e georgianos sobre como estão reagindo às máquinas de fake news russas. E a resposta passa fundamentalmente por educação da sociedade como um todo. Ouvimos de uma ONG que trabalha na educação para pais e mães sobre fake news, principalmente trabalhando com populações vulneráveis. É um lugar para entendermos como tratar dessa temática. Afinal, por lá, tratam desse tema como questão de sobrevivência há décadas. Atualmente, nenhuma democracia sobreviverá sem pensar no tema


7. As mudanças são extremamente rápidas e isso deve ser claro para os governantes e técnicos:

  • A primeira-ministra da Estônia foi muito humilde sobre sua compreensão em relação a tecnologia. Mas, entende que navegar um mundo em rápida mudança, tomando decisões com risco ponderado, é a função dos bons líderes atuais. Isso significa que na Estônia existem trilhas de seminários no tema de maneira a criar uma linguagem comum.
  • Nas palavras do CIO, um técnico não precisa ser o mais proficiente em tecnologia, mas deve ter capacidade suficiente para não aceitar "bulshit". Surpreendentemente ele mesmo é formado em Relações Internacionais mas você nunca imaginaria isso pela fala dele
  • Sobre IA em particular (não podia faltar…) o CIO da Estônia afirmou que após os últimos acontecimentos com LLMs (como ChatGPT) precisaram repensar todo o trabalho dos últimos 4 anos. Estavam criando seu assistente virtual para serviços públicos, o Bürokratt e estão precisando revisar tudo. Visão é de que se não começou ainda, agora é a hora de acelerar pois todos estão tendo que repensar o que já fizeram


Amanhã aprendizados com diferentes países de Indonésia, Gambia e São Tomé e Príncipe até a Inglaterra e, lógico, Estônia. Até lá!

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